• Vinícius Santos de Medeiros

  • Vinícius S. Medeiros

    Sou Vinícius Santos de Medeiros, graduando do curso de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), 4º período. Sou natural do estado do Rio de Janeiro, cidade de Duque de Caxias. Sou cristão protestante, e congrego na Igreja Batista em Parque Araruama (São João de Meriti).

As elites intelectuais brasileiras no século XIX e a construção do Estado imperial

Trabalho apresentado ao professor Humberto Fernandes Machado, na disciplina Poder e ideias políticas no Rio de Janeiro (século XIX), que enfoca as elites intelectuais brasileiras e a sua importância na construção do Estado imperial.

O objetivo do presente relatório é trazer à tona os diversos pontos colocados e discutidos em sala de aula, segundo as perspectivas de diversos autores. Buscamos aqui fazer uma síntese das considerações e conclusões mais relevantes a que chegamos durante os debates, colocando a unidade I (elites, intelectuais e bacharelismo) em foco. Nossa intenção é também promover uma análise conjunta no que tange aos autores trabalhados, tecendo relações entre eles, com vista a uma compreensão mais ampla dos temas estudados.

1 – As elites intelectuais no Império do Brasil

Pierre Bourdieu e Antonio Gramsci: a questão do poder simbólico na formação das elites intelectuais e notas para uma práxis científica

Pierre Bourdieu

Num primeiro momento, trabalhamos com o texto do influente sociólogo francês Pierre Bourdieu, O Poder Simbólico[1], de suma importância para todos os cientistas sociais (inclusive historiadores) que se debruçam sobre a história do poder e das ideias políticas. O caráter deste texto é fundamentalmente teórico, com conceitos extremamente relevantes para a nossa disciplina, que analisa as elites intelectuais no Brasil do século XIX, especificamente no Rio de Janeiro.

Bourdieu conceitua, no capítulo Sobre o poder simbólico, o que chama de luta simbólica, promovida por diferentes classes (ou frações destas) para imporem a definição do mundo social de acordo com seus interesses. A função política dos sistemas simbólicos é cumprida na medida em que estes são instrumentos estruturantes e estruturados de comunicação e conhecimento. São funções políticas de imposição ou de legitimação da dominação (daí o conceito de violência social, num jogo pelo monopólio de tal violência). As classes dominantes visam impôr a legitimidade da sua dominação por meio da própria produção simbólica (através de ideólogos conservadores), sendo o capital o mecanismo definidor dos princípios de hierarquização pela fração dominada.

Sendo assim, Bourdieu ressalta o caráter histórico das ideologias, pois estas devem a sua estrutura às condições sociais de sua produção e sua circulação. Daí ser a leitura deste texto fundamental (talvez inevitável) no nosso curso, pois o autor argumenta que as ideologias são sempre duplamente determinadas (p. 13) – elas não servem apenas aos interesses das classes que as exprimem, mas aos interesses daqueles que também as produzem (os intelectuais, que são o objeto da nossa disciplina[2]).

Com Antonio Gramsci, entendemos o complexo processo histórico de formação das várias categorias intelectuais[3]. Tal processo atende às seguintes formas: 1) cada grupo social cria para si uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função (função de suporte que, aliás, já havíamos estudado em Bourdieu); 2) categorias intelectuais preexistentes, representantes de um continuum histórico não interrompido. A categoria dos eclesiásticos é a mais típica (monopolizadores de muitos serviços importantes durante a Idade Média), depois a aristocracia togada, administradores, cientistas etc.

Esses intelectuais tradicionais consideram a si mesmos como independentes do grupo social dominante, criando o que Gramsci chama de “espírito de grupo” (p. 6), uma utopia social que tem por expressão uma filosofia idealista.

Segundo o autor, não há limites para a acepção de “intelectual”. De acordo com ele, todos os homens são intelectuais, mas nem todos na sociedade desempenham essa função específica. A distinção entre intelectuais e não-intelectuais faz-se mediante a referência da imediata função social da categoria profissional dos intelectuais (pp. 6-7).

O novo modo de ser do intelectual não pode mais consistir na eloquência (orador apenas), porém nas atividades da vida prática, como construtor e organizador. Sendo assim, formam-se categorias especializadas para o exercício da função intelectual, em conexão com os demais grupos sociais, especialmente os dominantes. Há, portanto, uma “luta pela assimilação e conquista ideológica dos intelectuais tradicionais” (pp. 8-9), o que corrobora o argumento de Bourdieu. Nesse sentido, os intelectuais são “comissários” do grupo dominante, nas palavras de Gramsci, num contexto de consenso espontâneo pelas massas e coerção estatal. Os intelectuais têm o papel de disseminar os instrumentos de conhecimento e de expressão do grupo dominante.

O poder midiático (modelo cibernético) de Bourdieu é emblemático nesse ponto pois, embora não domestique ninguém, como ficou claro em sala de aula, influencia o comportamento social (não chega a ser uma manipulação).Antonio Gramsci

O poder simbólico é, nas palavras deste autor, um “poder quase mágico” (p. 14), pois tem forte poder de mobilização, só se exercendo se for reconhecido. Um poder coercitivo (pois de dominação) que é definido numa relação determinada entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos. Sendo assim, a palavra-chave para entender o conceito de poder simbólico é consenso, pois a sociedade precisa aceitar e reconhecer determinada forma de exercício do poder – não é somente, portanto, uma relação de cima para baixo, mas também, como concluímos em sala de aula, de baixo para cima.

O segundo capítulo, Introdução a uma sociologia reflexiva, consiste num paper explicativo direcionado aos alunos de Bourdieu, expondo diversas questões referentes à pesquisa e à práxis acadêmica. O autor começa explicitando a função de um seminário, que é dar a oportunidade aos estudantes de verem como se processa o trabalho de pesquisa, apresentando os objetos que tentaram construir e perguntar a eles.

Bourdieu demonstra toda a sua aversão à “prática pura sem teoria” (p. 22) que, segundo ele, não pode ser a pedagogia dos saberes. O cientista precisa estar atento ao que recentemente foi adquirido em termos de métodos e técnicas, fazendo, dessa forma, crescer a “propensão para uma apreensão modesta das suas capacidades científicas” (p. 22). Além disso, recusa completamente a divisão da teoria e metodologia em duas instâncias separadas pois, segundo ele, “não se reencontra o concreto combinando duas abstrações”. O empirismo (prática), portanto, não se separa das opções teóricas. Em relação ao corpo de hipóteses, este é derivado de um conjunto de pressuposições teóricas, funcionando, então, o dado empírico como prova ou evidência.

A construção do objeto também é relevado pelo autor, que argumenta no sentido de demonstrar que é um processo que se realiza pouco a pouco, com retoques sucessivos, correções e emendas. Esse objeto deve ser construído visando ao rompimento com o senso comum, com representações partilhadas por todos, através de uma visão crítica, que é, segundo Bourdieu, a condição da construção de um verdadeiro objeto científico.

Nesse sentido, deve haver um habitus científico, uma regra “que funciona em estado prático segundo as normas da ciência, sem ter estas normas na sua origem” (p. 23).  Daí o autor afirmar que o cientista social, que transmite um habitus científico, se parece mais com um treinador desportivo do que com um intelectual, pois ele procede por indicações práticas (um treinador que imita um movimento, seguindo o exemplo de Bourdieu).

Para Bourdieu, é preciso interrogar sistematicamente o caso particular (p. 32), para retirar dele as propriedades gerais que só são denunciadas mediante interrogações. No entanto, o método comparativo deve ser acionado – ele permite pensar relacionalmente. Segundo o autor, “o real é relacional” (p. 28), isto é, um campo de poder que consiste em “relações de forças entre as posições sociais que garantem aos seus ocupantes um quantum suficiente de força social – ou de capital –, de modo a que estes tenham a possibilidade de entrar nas lutas pelo monopólio do poder” (pp. 28-29) – o que permite persarmos num espaço de relações.

Enfim, o autor argumenta que deve existir uma liberdade extrema em relação à mobilização de técnicas – a pesquisa é séria e difícil, mas não pode ser rígida, porém sim rigorosa. Recursos provenientes de tradições intelectuais são oferecidos, basta adequá-los ao problema posto – “é proibido proibir” (p. 26).

José Murilo de Carvalho: as elites políticas brasileiras e a construção do Estado imperial

José Murilo de Carvalho

A Construção da Ordem: a elite política imperial[4] é, sem dúvida, um dos maiores marcos historiográficos brasileiros, por revelar o perfil das elites intelectuais brasileiras e a sua importância na construção do Estado imperial no século XIX – daí sua utilização em nossa disciplina.

José Murilo de Carvalho não entende as elites como grandes homens (segundo a perspectiva de tradições intelectuais) e não visa às teorias que explicam os acontecimentos em função de sua atuação. São sim grupos especiais de elite, distintos das massas e até mesmo de outros grupos elitistas, mas não dão conta, por si só, de fenômenos históricos complexos como a formação do Estado nacional. Foram grupos minoritários que tiveram grande participação em certos acontecimentos, atuando dentro de limitações.

Essa elite se caracteriza pela homogeneidade, na ideologia e no treinamento, o que atenua os conflitos intra-elite e expande a capacidade de implementar um determinado modelo de dominação política através do seu capital simbólico (para utilizar a expressão de Bourdieu) – essa homogeneidade é fornecida principalmente pela socialização da elite (formação acadêmica, carreira política etc), nem tanto pela origem social. Quanto mais homogênea a elite, mais estável o processo de formação do Estado.

O autor, através dos estudos históricos mais recentes das elites europeias, indica uma relação de causalidade recíproca entre o perfil e a constituição dessas elites e o processo de formação dos Estados modernos. Processo esse que foi longo e assumiu inúmeras características nos diversos países, exigindo a concentração do poder nas mãos dos reis (os monarcas aplicavam a justiça; tinham o poder de taxação; monopolização do recrutamento militar etc). Com o Absolutismo coincide a formação da burocracia central – civil e militar –, e a criação de parlamentos.

A grande capacidade de organização das classes nos EUA e Inglaterra fez com que a balança pendesse para o lado do governo parlamentar, sendo o papel do Estado menos relevante do que em outros países[5]. Em contrapartida, em Portugal, o poder da burocracia central era sentido com maior peso, tendo o absolutismo maiores condições de vigência neste país – até porque a nobreza lusitana era bastante dependente em relação ao Estado. Os juristas e magistrados exerceriam um papel de maior relevância na política e nas atividades administrativas portuguesas e, posteriormente, brasileiras – inclusive, segundo o autor, foi a herança burocrática portuguesa que permitiu a manutenção da unidade e estabilidade política brasileira (p. 31), o que não foi possível na América Espanhola, caracterizada pela fragmentação político-territorial (à excessão do Chile).

Para entender o papel desses intelectuais na política e na administração, faz-se necessário analisar a sua formação. Isso porque a educação é, segundo Murilo de Carvalho, um “elemento poderoso de unificação ideológica”[6] (p. 51). A elite era “uma ilha de letrados num mar de analfabetos” (p. 51). Concentrava-se basicamente na Universidade de Coimbra[7], onde recebiam a formação jurídica, cuja tradição do direito romano preocupava-se antes com a justificação do poder real, colocando em foco a vontade soberana do Príncipe e não o poder da Igreja ou dos barões feudais.

Ora, a elite brasileira, principalmente no início dos Oitocentos, teria treinamento em Coimbra, e comporia o funcionalismo público, especialmente a magistratura e o Exército. Há, portanto, uma transposição do grupo dirigente de Portugal para o Brasil, mas a construção do poder é distinta, pois os parâmetros econômicos e sociais são diferentes. Aquela centralização dos portugueses, voltada para a burocracia de barões feudais e comerciantes, no Brasil se reduz, segundo o autor, a proporções modestas frente aos latifundiários e à dispersão da população por um extenso território, tendo os modelos europeus de organização do poder dificuldades de adaptação aqui.

O aparato burocrático do governo brasileiro passou a ser um canal de mobilidade, através do emprego público. Daí a ambiguidade: não só os marginais ascendentes do sistema escravista buscavam o serviço público, mas também os marginais descendentes, como os filhos da aristocracia rural nordestina – o emprego público aqui, portanto, não era visto como um hobby, como o era pelo aristocratas ingleses, nem como um mau negócio, ou mal visto pela sociedade, como para os norte-americanos.

Além da Universidade de Coimbra, duas outras instituições foram importantes para a formação da elite brasileira: a Real Academia da Marinha (Força Armada de grande prestígio no Império) e o Colégio dos Nobres, ambas alternativas para os filhos da nobreza. Dois cursos de direito foram criados em 1827 (os primeiros professores foram alunos de Coimbra, porém o direito romano é abandonado em prol de matérias mais relacionadas às necessidades do novo país, com vista à formação de juristas, advogados, senadores, etc), um na cidade de São Paulo e outro em Olinda, transferido em 1854 para Recife[8] – vale lembrar que, com o Ato Adicional de 1834, a educação tornou-se responsabilidade tanto do governo central como dos governos provinciais. Ao final do Império, a Escola Militar transformara-se num centro de oposição intelectual e política ao regime – graças à influência técnica e positivista (desde 1850), em oposição à formação jurídica e eclética da elite civil.

Enfim, a visão de José Murilo de Carvalho obedece, resumidamente, como concluímos em sala de aula, a uma lógica de cima para baixo. No entanto, como observamos com a leitura de Pierre Bourdieu, o poder simbólico só é válido se se estabelece uma relação dialética (não se pode anular a atuação de outros atores sociais). Embora seja uma leitura fundamental, fica essa posição crítica.

2 – A herança do bacharelismo e o fascínio pela cultura europeia (progresso e civilização)

Sérgio Buarque, Gilberto Freyre e Sérgio Adorno: reflexões historiográficas sobre o bacharelismo no Brasil, a desfragmentação da ordem ruralista e o liberalismo brasileiro

Sérgio Buarque de Holanda

Publicado em 1936, tendo sido reeditado e revisado em 1947 e 1955, Raízes do Brasil[9], de Sérgio Buarque de Holanda, permanece ainda hoje como livro de fundamental importância para a historiografia e as ciências sociais brasileiras. Trata-se de uma obra que visa à compreensão da formação da nossa sociedade, remontando mesmo ao contexto colonial estabelecido pelos lusitanos a partir do século XVI na América.

Voltando sua atenção para uma análise mais psicológica e utilizando uma tipologia de caráter weberiano, Sérgio Buarque de Holanda descreve o “homem cordial”, expressão de Ribeiro Couto, culminando num dos momentos mais importantes de Raízes do Brasil. O homem cordial poderia ser caracterizado genericamente como moldado pela estrutura familiar que, conseqüentemente, gera relações de simpatia e afeto e repulsa por relações impessoais. A cordialidade nega a polidez (esta só é necessária em algumas ocasiões) e almeja a vida em sociedade, pois vê na individualidade (pregada pela pedagogia moderna, ascendida em decorrência da urbanização, que possui virtudes antifamiliares) um grande pavor, tendo em vista a predominância da família tradicional brasileira, confrontada cada vez mais pela sociedade urbana de tipo moderno. A cordialidade na política gera um patrimonialismo em que não há distinção do domínio público e privado, sendo a escolha de funcionários pelo empregador pautado fortemente pelas relações pessoais.

Mas eis que novos tempos se levantam, principalmente depois da vinda da família real, fato que revela um choque com os paradigmas coloniais. Os pressupostos concernentes ao homem cordial não são considerados positivos se tratados num contexto de ordem coletiva, cada vez mais suprimidos. Existe uma personalidade individual que prega a satisfação com o saber aparente, com fim em si mesmo, traduzido na própria satisfação do indivíduo, o que traz à tona o caráter secundário da obra produzida. Disso decorre que os indivíduos mudam de atividade com uma freqüência elevada, e esse é o próprio sentido do bacharelismo, baseado no prestígio e na independência individual que as profissões liberais proporcionam, resumido a um saber que apenas viabiliza a vontade individual – caracterizado pelo exibicionismo e falta de aplicação que, na visão de Sérgio Buarque, levou ao bom êxito dos positivistas no Brasil, com dogmas indiscutíveis e idéias inaplicáveis.

Para Gilberto Freyre[10], o bacharel é a nova grande força triunfante que, junto ao mulato, é o elemento de

Gilberto Freyre

diferenciação dentro de um sociedade rural e patriarcal. No contexto de urbanização do Império, há uma diminuição da “casa-grande gorda em sobrado magro” (nas palavras do autor, p. 573), além da fragmentação de muitas senzalas em mucambarias – aliás, a ordem tradicional, baseada no ruralismo (grande influência dos centros rurais) e na família patriarcal, cede espaço à cidade e sua cultura, numa transformação que se caracteriza também pela passagem da cana-de-açúcar ao café, o que marca o “aniquilamento das raízes ibéricas” (Buarque de Holanda) e o nascimento de um novo estilo, o americano propriamente dito. Nesse sentido, a Abolição surge como um marco divisório, em que começa de fato a fragmentação da sociedade agrária, que dá início à nossa revolução, nas palavras de Sérgio Buarque. Surge uma nova aristocracia, a dos sobrados; e uma nova nobreza, a dos doutores e bacharéis.

Os bacharéis eram homens que tinham prestígio, desde a realidade dos tempos coloniais, com a atuação educadora dos jesuítas. Esses “doutores” tinham nojo da Colônia, para eles lugar de desilusão e desencanto. Isso porque sua valorização social se dava por meio de novos elementos (os novos estilos de vida provenientes da Europa burguesa). Quando terminavam seus estudos na Europa, vinham para a Colônia e aqui observavam que a Arcádia era apenas um sonho. Os bacharéis eram inimigos da aristocracia matuta, mas tiveram que se aliar a esta para realizar os projetos revolucionários de independência política da Colônia (A Inconfidência Mineira exemplifica essa relação). Enfim, um grupo que formava a “nova mística” (p. 574) – a dos bacharéis moços –, destruindo quase toda a antiga – a do capitão-mor velho[11].

A isso está relacionada a crise dos padrões tradicionais agrários, e a democracia trazida para o Brasil, na visão de Holanda, deve ser encarada como um mal-entendido, já que os movimentos reformadores da sociedade possuíram um caráter ditado pelos grupos dominantes.

Nesse âmbito entram as questões levantadas por Sérgio Adorno[12], já que ele argumenta no sentido de mostrar como

Sergio Adorno

os diversos grupos sociais dominantes disputavam prestígio junto ao imperador (Poder Moderador) e poder em relação à burocracia patrimonial. Essa estrutura política impossibilitou a democratização da socidade brasileira, e a participação política esteve ligada apenas aos grupos sociais proprietários e dominantes, “institucionalizando a desigualdade social na esfera pública” (p. 63). Sendo assim, o liberalismo durante o regime monárquico brasileiro revelou sua face conservadora, afastando suas raízes revolucionárias (as inconfidência do final do século XVIII, com ideais separatistas, fornecem-nos exemplos) e aniquilando os tipos radicais e democráticos. Por fim, Adorno explicita o caráter instrumental do liberalismo brasileiro, sustentando que não houve um dilema liberal nessa sociedade durante o período imperial. Já o dilema democrático existiu (e, segundo o autor, ainda existe), e percorreu todos os aspectos da ação estatal, com as lutas pela emancipação até as práticas jurídico-políticas do Império.


[1] BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico, Lisboa: Difel, Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil. 1989.

[2] Essa perspectiva faz com que não caiamos na armadilha de tratar as produções ideológicas como auto-suficientes ou auto-geradas.

[3] GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a Organização da Cultura, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.

[4] CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial, Brasília: Edit. UNB, 1981.

[5] Contrastando com as elites políticas predominantemente de representação parlamentar norte-americanas e britânicas (onde o trabalho político surge como um hobby, segundo o autor), nos países de revolução burguesa retardada, houve um misto de elites burocráticas e representativas, como no caso da Prússia, onde houve um processo de treinamento e início da profissionalização dos empregados públicos, formando-se a burocracia – o que coincide também em Portugal. Sendo assim, “os juristas estavam para os estados absolutos assim como os advogados estavam para os Estados liberais” (pp. 33-34).

[6] Antonio Gramsci, inclusive, afirma que a escola é um instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis. Segundo ele, quanto mais extensa for a “área escolar”, tão mais complexo será o mundo cultural (p. 9).

[7] Criada em 1290, em Lisboa, e transferida para Coimbra em 1308. No século XVI sofreu controle jesuítico, isolando-se do progresso intelectual e científico europeu. Somente em 1759, com a expulsão dos jesuítas de Portugal e suas colônias pelo marquês de Pombal, seguiria uma profunda reforma na educação portuguesa e, em 1772, veio a reforma na Universidade. A ênfase agora era dada nas ciências físicas e matemáticas (tratava-se de colocar a educação para ser útil à recuperação econômica, daí a ênfase na mineralogia e botânica, para melhorar a exploração dos recursos naturais nas colônias), em decorrência do Iluminismo português. Com a Morte de D. José I, Pombal sai da cena política e tem início a Viradeira, período de reação, em que há o abandono da ênfase nas ciências naturais e a volta do direito à antiga predominância – foi nessa época que muitos políticos brasileiros estudaram em Coimbra.

[8] Vale frisar que a criação dessas duas escolas jurídicas mudou o quadro quanto ao aspecto de unificação, pois os regionalismos estiveram muito presentes nos debates parlamentares. O isolamento dos alunos da Universidade de Coimbra, que evitava o contato de seus estudantes com o Iluminismo francês, foi quebrado, em parte, nas escolas de direito brasileiras, que tinham uma orientação mais pragmática e eclética.

[9] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Companhia das Letras, 2008, São Paulo, 220 páginas.

[10] FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos, 2 vols., Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.

[11] A mística popular brasileira em torno dos títulos militares, de acordo com Freyre, vai cedendo seu prestígio ao título de bacharel e doutor, que vai crescendo nos meios urbanos desde o começo do Império, principalmente com D. Pedro II – “o reinado dos bacharéis” (p. 574) –, no qual a confiança do imperador se relacionava com a atuação desses intelectuais na administração jurídica nas províncias, com a correta distribuição da justiça.

[12] ADORNO, Sérgio. Os Aprendizes do Poder. O Bacharelismo Liberal na Política Brasileira, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

4 Respostas

  1. Ah bacana seu blog cara, muito bom o texto.
    beijos

  2. Fiquei de “cara” com o texto muito informativo indo direito ao ponto pretendido.

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